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sexta-feira, 3 de junho de 2016

Conheça o Plano de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo que está melhorando o produto, preservando o terroir e atraindo turistas


Por Rogerio Ruschel (*)
Entrevista exclusiva de Francisco Mateus e João Barroso da Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo (CVRA) para In Vino Viajas

Meu prezado leitor ou leitora, não quero ser repetitivo nem eco-chato, mas insisto em que precisamos cuidar melhor de nosso planeta e das maravilhas que recebemos dele. E fazer isso é um bom negócio porque como especialista em marketing e sustentabilidade há 25 anos posso garantir que ser mais sustentável significa ser mais respeitado pelo consumidor, pelo mercado e mais lucrativo. Por isso pesquiso, apoio e divulgo todas as iniciativas que caminham neste sentido, como a da Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo (CVRA) - organismo que controla, protege e certifica os vinhos do Alentejo – que planejou, criou e está adotando um Plano de Sustentabilidade para os Vinhos do Alentejo (PSVA) resumido no quadro acima. Um excelente Plano para preservar uma região surpreendente bela como você pode ver pelas fotos.


Para que você pudesse conhecê-lo melhor, entrevistei Francisco Mateus, Presidente da CVRA e João Barroso, Gestor do Plano de Sustentabilidade, que revelam detalhes do projeto com exclusividade para os leitores de In Vino Viajas. Francisco Mateus resume a lógica da decisão:  “A nossa visão é sermos uma região com reputação e reconhecimento internacional, onde a produção de vinho salvaguarda o meio ambiente e está sustentada na genuinidade, nas características naturais e ecológicas, na autenticidade e no blend de castas regionais. Assim o Plano de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo é uma opção estratégica em linha com a nossa visão e que, simultaneamente, posiciona a CVRA na vanguarda da aplicação das melhores práticas no sector vitivinícola.” Perfeito, presidente: trata-se de melhorar os negócios; ajudar o planeta e melhorar os negócios.


O Plano de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, pioneiro em Portugal, tem como objetivo proporcionar aos associados - 121 membros que anualmente produzem 48 milhões de litros de vinhos em 20.670 hectares, 42% do volume do Alentejo - uma ferramenta para avaliar seus métodos produtivos e aperfeiçoá-los com melhores práticas (4.000 hectares já participam do Plano de Sustentabilidade). E com isso ser mais eficiente, mais transparente e fazer melhores negócios. Produtores alentejanos de padrão internacional como Sogrape, Carmim, Herdade do Esporão, Herdade do Peso, João Portugal Ramos e Fundação Eugenio de Almeida (Cartuxa) já tem boas iniciativas nesta área; algumas destas histórias já contei aqui, as outras você poderá ler em breve. Vinicultura mais sustentável ajuda a preservar a fauna alentejana, aves (acima) e felinos, como o raro e ameaçado lince ibérico (abaixo).


João Barroso (joao.barroso@vinhosdoalentejo.pt), reponsável pelo desenvolvimento de conteúdos, envolvimento das partes interessadas, implementação, representação, promoção e comunicação do Plano, informa que “o plano é de adesão voluntária e gratuito. O único custo previsto será o associado com uma auditoria de 3ª parte a executar por entidades acreditadas para o efeito, que deverá fazer a certificação e o reconhecimento da implementação do Plano junto de cada membro. Esta certificação apenas será executada quando os membros atingirem o nível estabelecido para certificação/ reconhecimento (Desenvolvido) para todos os Capítulos do Plano (Capítulos de Intervenção Primária e de Intervenção Secundária)”. 


Como este é um programa bastante completo que poderia ser relizado no Brasil, e com esta riqueza e detalhamento também em qualquer outro país ou região vinícola, vou entrar em detalhes para melhor compartilhar este know-how inovador porque em sustentabilidade estamos todos aprendendo, ninguém é dono da verdade. Veja a seguir trechos do depoimento de João Barroso.

O conceito, a gênese e as parcerias

“O plano começou a ser planeado a partir de 2013, tendo sido desenvolvido um “roadmap” para a sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo. Uma vez terminado esse estudo concluiu-se da necessidade de contratar um especialista em sustentabilidade para gerir o projeto. Em 2014 comecei a trabalhar na CVRA, e em maio de 2015 o PSVA foi oficialmente lançado junto dos produtores do Alentejo. O Plano foi desenvolvido tendo como base as indicações de sustentabilidade para o sector da OIV, FIVS e olhando para linhas gerais dos 4 projetos de sustentabilidade na industria vitivinícola a nível mundial que achámos mais completos e credíveis, nomeadamente Califórnia, Chile, Austrália, e Nova Zelândia. Os conteúdos foram desenvolvidos por um grupo de trabalho que envolveu especialistas de vitivinicultura do Alentejo, Universidade de Évora, e Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo, tendo os conteúdos sido submetidos para consulta e comentários dos Agentes Económicos do Alentejo, que entendessem poder dar um contributo válido aos conteúdos.”

As etapas do projeto

Barroso continua: “O plano teve uma fase de auscultação dos produtores onde se procurou perceber quais as áreas com maior necessidade de intervenção e como se poderia atuar nessas áreas, bem como perceber as sensibilidades dos mesmos para as questões associadas com a sustentabilidade e a sua influencia no negocio vitivinícola. Visto estarmos a desenvolver um esquema bastante detalhado, denso e extenso, optou-se por dividir a implementação do mesmo em duas fases, por forma a não sobrecarregar os membros. Assim, os Capítulos do Plano (Viticultura, Adega, Viticultura+Adega) foram divididos em duas fases distintas de implementação. Numa primeira fase (onde nos situamos neste momento) os Capítulos de Intervenção Primária (veja imagem acima), que estão muito relacionados com o potencial de poupança associado ao conceito dos “low hanging fruits”. Numa segunda fase, estimada para a segunda metade de 2016, a metodologia de avaliação será adaptada ao acréscimo de Capítulos, iniciando-se a implementação e avaliação dos Capítulos de Intervenção Secundária.”  


Barroso se refere ao conteúdo técnico do Plano de Sustentabilidade, que a partir de uma visão holística, trabalha em 11 capitulos temáticos que abrangem todo o processo produtivo (agricultura, biodiversidade, água, energia, residuos, a comunidade, etc) e introduz 108 critérios de avaliação. Veja a imagem acima. Estes critérios partem de auto-análises, podem ser adotados livremente e evoluem de nível permitindo que cada produtor possa estabelcer seu próprio programa de sustentabilidade. Completo e simples, muito inteligente. Trabalho como consultor especializado em sustentabilidade para grandes corporações e sei que não é facil resolver a equação investimento X resultados. Porisso perguntei a João Barroso como foi feita a atração e integração dos associados da CVRA. (Na foto abaixo, outra das riquezas alentejanas que dependem do ambiente: as ovelhas). 



A participação dos Associados

“Para além de um grupo de consulta criado especificamente para o desenvolvimento dos conteúdos, e composto entre outros por especialistas em Vitivinicultura, alguns dos quais colaboradores de alguns dos maiores e mais reputados associados da CVRA, houve uma fase de auscultação dos associados para sugestões e comentários. Existiram também sessões de apresentação do projeto, em várias cidades do Alentejo, onde os associados foram convidados a participar e a dar o seu contributo.” 


 Como o desafio dos alentejanos é produzir uvas e vinho de qualidade superior e de forma economicamente viável, ao mesmo tempo em que se protege o meio ambiente e os recursos naturais, perguntei a João Barroso se haveria algum tipo de incentivo para a adesão do plano. Veja a resposta dele: “São vários os incentivos. Primeiramente, a adesão é gratuita, bem como todo o material providenciado, todo o auxilio na implementação no terreno, consultoria, formação, visitas de estudo entre membros do plano (para observação de boas práticas) são gratuitas. São organizadas sessões de trabalho temáticas em áreas identificadas como sensíveis (ex: gestão de água, gestão de energia) que pretendem promover a troca de informação entre pares.”


Barroso continua: “Foram estabelecidas parcerias com várias instituições de I&D e temos uma ponte construída entre a investigação e a industria, já tendo tido vários alunos de Mestrado a executar (neste caso) auditorias de energia em várias adegas do Alentejo, providenciando um relatório final com identificação de oportunidade de melhoria, opções de investimento e períodos de retorno (único custo foi associado com providenciar cama e comida aos alunos). Existe um site de internet do Plano onde estão indicados os membros, dando uma certa visibilidade, e sempre que existem iniciativas do Plano, ao nível nacional e internacional, são convidados alguns membros (selecionados com base na pontuação obtida no Plano) a expor as suas melhores práticas.”



O Alentejo é o celeiro de Portugal e além de alimentos e cereais, é o principal produtor de especiarias como o mel, a cortiça e vinhos. Aliás, a cortiça, produzida pelo sobreiro (acima), é um grande exemplo de sustentabilidade como já mostrei aqui, porque é uma matéria-prima natural, renovável, reutilizável e reciclável.


Além disso o Alentejo, região com muitos rios e com o Alqueva, o maior lago artificial da Europa, é o habitat de muitas espécies de animais locais e migratórias, entre as quais cegonhas, corujas, lontras, veados, lobos e porcos. Na verdade é uma obrigação moral dos atuais moradores preservar a região que vem sendo habitada e preservada há milhares de anos, como testemunham cromaleques como estes da foto acima, que se encontram em todo o Alentejo.

Faço um brinde aos portugueses que fazem vinhos cada vez melhores e cada vez mais corretos: tim-tim.

Para saber mais sobre vinho e sustentabilidade veja aqui:

Patos adubadores, morcegos protetores e vinhedos energizadores: tres pequenas grandes ideias para a produção de vinhos mais sustentáveis - http://invinoviajas.blogspot.com.br/2016/05/patos-adubadores-morcegos-protetores-e.html


Os impactos do Réchauffement de la Planète (a versão francesa do Aquecimento Global) no mundo do vinho - http://invinoviajas.blogspot.com.br/2014/01/os-impactos-do-rechauffement-de-la.htmll

As mudanças climáticas e a produção mundial de vinhos no ano de 2050 – http://invinoviajas.blogspot.com.br/2016/05/o-vinho-do-futuro-estudo-sobre-mudancas.htmll

Saiba como a rolha de cortiça preserva os aromas do seu vinho e os recursos do nosso planeta - http://invinoviajas.blogspot.com.br/2014/08/fique-esperto-saiba-como-rolha-de.htmll

Associazione Vino Libero: um manifesto italiano pela produção de vinhos com identidade, honestidade e sustentabilidade - http://invinoviajas.blogspot.com.br/2014/02/associazione-vino-libero-um-manifesto.html

Conheça a vinícola portuguesa que emprega morcegos do bem para proteger os vinhedos de insetos do mal - http://invinoviajas.blogspot.com.br/2016/01/uma-luta-ecologica-na-noite-alentejana.htmll

(*) Rogerio Ruschel é editor de In Vino Viajas, ambientalista de coração, consultor e professor especializado em sustentabilidade e gosta de vinhos que respeitam o consumidor e o meio ambiente

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